terça-feira, 4 de agosto de 2009

Lettres Portugaises, edição polaca


Lettres Portugaises, edição polaca

As edições estrangeiras[1]das Cartas Portuguesas, nomeadamente das que se publicaram nos países do leste europeu, desde o início do século passado, demonstram ao nível iconográfico uma sensibilidade singular relativamente às suas congéneres ocidentais. Países como a Checoslováquia, Hungria, Roménia, Rússia e Polónia, trataram a ilustração do tema das cinco cartas de amor atribuídas a Mariana Alcoforado de forma sensível, carinhosa e bastante envolvente, até com algum erotismo.
Da colecção bibliográfica de Godofredo Ferreira, pertença da Assembleia Distrital de Beja, preservada no Museu Regional, constam três edições polacas de 1911, 1920 e 1921, duas checas que já referenciámos em crónica anterior, de 1921 e 1926, e duas romenas de 1967. A edição russa, de 1915, é microfilmada. São obras que revelam uma dedicação especial ao tema, algumas com grande intensidade dramática e um grande respeito pelo seu conteúdo, um pouco à maneira das gravuras seiscentistas e setecentistas que acompanhavam as primeiras edições.
Reproduz-se, nesta crónica, uma edição polaca diferente[2], de 1959, bem posterior às mencionadas anteriormente, mas do mesmo autor da tradução e do prefácio das primeiras duas, Stanislaw Przybyszewski, ilustrada por Anna Trojanowska. É um livrinho, in 8º peq., com 69 páginas, situando-se o prefácio entre as pp.5 e 20; dez ilustrações pequenas, mais estilizadas do que é habitual neste género de publicações - onde o poder descritivo da imagem parece querer por vezes substituir-se ao texto ou, então, pervertê-lo totalmente – acompanham duas a duas, cada uma das cinco cartas amorosas.
O autor inicia o prefácio divulgando o teor descabido da carta de Rousseau a d`Alembert, onde aquele “apostava tudo” em como as “lettres”foram escritas por um homem, dado que as mulheres não possuíam inteligência, nem cultura, para tal realização [é óbvio que este processo do”apostava” nada tem de científico e só serve para satirizar o seu mentor]. Cita a primeira edição de Claude Barbin, de 1669, “Lettres Portugaises traduites en françois”, e o facto de outras edições coevas desvendarem os nomes do cavaleiro de Chamilly e de Guilleragues como, respectivamente, destinatário e tradutor das cartas para francês. Faz uma breve contextualização da luta militar de Portugal pela independência de Espanha, nomeia o comandante Schomberg, Chamilly, Mariana Alcoforado, entre outros, como intervenientes nesse período seiscentista. Destaca - além da nota do abade francês Boissonade que trouxe, em 1810, para a ribalta a identidade portuguesa, bejense, de Mariana Alcoforado - as “Memórias” de Saint-Simon, coevas e a propósito de Chamilly, a quem, segundo se dizia, e ele (Saint-Simon) não desmente, as célebres cartas haviam sido escritas. Stanislaw refere ainda a edição bilingue, francesa e portuguesa, de 1824, do Morgado de Mateus, primeiro retroversor para português das cinco cartas, já que Filinto Elísio, em 1819, traduzira doze, pensando que eram todas da freira bejense. Por último, estabelece a comparação entre as epístolas seiscentistas da freira de Beja e as ducentistas de Heloíse e Abelard.
As ilustrações miniatura de Anna são rápidas, de traço quase contínuo e voluptuoso, expressando muito bem a resignação da religiosa; a nau que transportava Chamilly para França, mas que, obrigada por uma tempestade, regressa ao reino do Algarve; o convento, altas paredes e torres, situado no alto de uma penedia (naturalmente o reflexo da realidade das construções acasteladas e principescas das regiões centro e norte da Europa).


Publicado por Leonel Borrela in Diário do Alenetejo de 29 de Junho de 2007

[1] Estrangeiros, para os franceses, somos principalmente nós, portugueses, pois, eles, não consideram actualmente, ou só muito poucos consideram, a origem portuguesa das cartas da freira bejense. Contudo, tal polémica, não tem lugar nesta abordagem, onde a edição polaca é tão estrangeira para nós como para os franceses.
[2] Adquirida para a nossa colecção Alcoforadina, via Internet, ao alfarrabista “Nicolaus”, de Gdansk, em Fevereiro deste ano.

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Lettres d`amour d`une religieuse portugaises ecrites au chevalier de C.oficier français en Portugal

Lettres d`amour d`une religieuse portugaises ecrites au chevalier de C.oficier français en Portugal
Pormenor da gravura de J Padebrugge 1696

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Calandrónio é um nome que vem epigrafado numa lápide funerária visigótica exposta no Núcleo Visigótico do Museu Regional de Beja. Num texto comovente Calandrónio chora a perda da sua sobrinha Maura, de olhos muito belos e formosa de feições, que mal fizera quinze anos. Por ser um documento pacense extraordinário,do século VII, repleto de sensibilidade, adoptei-lhe a memória. Leonel Borrela