terça-feira, 4 de agosto de 2009

Claude Barbin, o editor francês das Cartas Portuguesas


Claude Barbin[1], o editor das Cartas Portuguesas

Gervais Reed dá-nos a conhecer Claude Barbin (1628 - 24 Dez 1698) e os livros que editou ao longo dos seus mais de cinquenta anos de actividade. Quando adolescente aprendeu a profissão de impressor que, então, passava naturalmente pelo domínio total dos segredos oficinais da ciência tipográfica e, depois, como editor perspicaz, desde o início atento à forte rivalidade existente entre dezenas de livreiros parisienses, não descurava a utilização do aviso ao leitor (Au Lecteur) para repor a verdade dos factos. Numa das suas edições do Fantasma amoroso, de Quinault, critica os confrades pelo desplante de publicarem livros com o título de Fantasma e alerta os leitores para a obra desvirtuada que lhes tentam pespegar. Faz a advertência em nome dos interesses particulares dos leitores e não em seu proveito pessoal, obviamente.
Entre as suas primeiras edições de Fantôme amoureux, de 1656, da autoria de Philippe Quinault, e Lettres Portugaises, de 1669, de autoria anónima, Claude Barbin publicou um sem número de documentação manuscrita particular que, à priori, não se destinava a ser impressa. Contudo, procurava freneticamente essas novidades; pedia aos herdeiros de famílias letradas que lhe cedessem, comprando ou não, cartas, poemas, diários, enfim, tudo o que retratando a cultura e a personalidade dos seus autores, já falecidos, fosse passível de interessar os leitores; aos outros, contactava-os directamente, mostrando-se solícito e empenhado em publicar-lhes os seus pensamentos ou a descrição das suas viagens.
Desse modo, seguindo Gervais Reed (1974, 86-93), Claude Barbin editou, entre outras obras: em 1660, de Louis Fontaines, Relation du Pays de Jansénie; de Molière, Les Precieuses Ridicules; de diversos autores, Recueil dês Harangues qui ont été faites à la Reine de Suède; em 1661, de Molière, L`Ecole dês maris; de Pierre Chevalier, Histoire de la Guerre des Cosaques contre la Pologne; de Donneau de Vise, várias obras defendendo a peças de Corneille, além de outras de crítica literária; seis obras de Molière, L´Ecole de femmes, Le Dépit amoureux, L´Etourdi, entre outras; em 1664, de Mlle. Desjardins, Recueil de poésies, augmenté deplusieurs pièces et lettres; de Donneau de Vise, Les Diversités galantes; de Henriette de Coligny (contesse de La Suze) e de Paul Pelisson- Fontanier, Nouveua Recueil de pièces choisis contenant lettres galantes en prose et en vers; de Jean Racine, La Thébaide; de Paul Tallemant, Le seconde voyage de l´Ile d`amour; em 1665, de GASPAR Coligny, Mémoires; de Jean Corbinelli, Sentiments d`amour tires des meilleurs poètes modernes; de François, duc de La Rochefoucauld, Réflexions, ou Sentences et Maximes morales; em 1666, de Nicolas Boileau- Despréaux, Satires; de Cureau de La Chambre, L`Art de connaitres les hommes; de Antoine Furetière, Le Roman bourgeois; em 1667, reedição das Sátiras de Boileau-Despréaux[2]; de Adrien Thomas Perdou Subligny[3], La Muse dauphine [Reed explica que esta é uma outra edição da carta em verso a monsenhor Dauphine; de Tasso (tr. Michel de Clerc), La Jerusalém délivrée; em 1668, de Perret, Sapor, roi de Perse; de Racine, Andromaque; de Saint- Evremond, Oeuvres mêllées; de Torche, Le chien de Boulogne, ou L´Amant fidèle; de diversos autores, Pièces diverses, contenant Eclogues, Elégies, Stances, Madrigaux, Chansons, Epigrammes, traduction d`Horace et autres pièces; e, em 1669, persistem as Sátiras de Boileau; Le Journal amoureux de Mlle Desjardins; as Novelas galantes, cómicas e trágicas, de Donneau de Vise; as Lettres Portugaises, de Guilleragues [?]; 2ª edição das Lettres Portugaises, de Guilleragues [?]; Valentines, Questions d´Amour e autres pièces galantes, de Guilleragues [?][4]; Les amours de Psiché et de Cupidon, de La Fontaine; de Madeleine de Scudéry, La promenade de Versailles; Lettres Portugaises, 2ª parte, de um anónimo. Ao paradoxo desta última atribuição de Gervais Reed juntam-se outros. Em 1670, entre mais algumas obras de Boileau, Desjardins, Donneau de Vise, Saint-Evremonde outra edição das Lettres Portugaises de Guilleragues [?], aparecem umas Réponses aux Lettres Portugaises de autor anónimo, e, no ano seguinte, 1671, entre mais obras originais e reedições dos autores citados, como por exemplo a Bérénice de Jean Racine, surge, de um anónimo, a Relação histórica da descoberta da Ilha da Madeira que, como se sabe, e o texto di-lo, é da autoria de Francisco Alcoforado [desconhecemos se é mencionado o tradutor e, mais, se não poderia ser o mesmo das Cartas]. Já agora, completamos o percurso (REED, 1974, 97-101): em 1672, entre outras obras, sai a 3ª edição das Lettres Portugaises de Guilleragues, e, em 1673, a 2ª parte das Lettres Portugaises de um anónimo.
Em 1675, Claude Barbin edita Epitre à Monsieur de Guilleragues, uma longa Carta ao senhor de Guilleragues, de Boileau-Despréaux, na qual este autor, como amigo do presumível autor das Lettres Portugaises, não faz qualquer referência ao seu sucesso literário, embora o considere um conversador espirituoso que as damas não dispensam (uma espécie de circunspecto “animador cultural” de salão).
Apesar de considerarmos extremamente valioso o estudo de Reed, não comungamos da mesma opinião do autor quanto à atribuição controversa das Lettres Portugaises. Então, se a primeira edição é de Guilleragues; se a segunda parte é anónima; se a publicação que mistura obras de Guilleragues com as de outros autores, continua a ser de Guilleragues, em que ficamos?
Alguma coisa está mal. E, a primeira, é a de que Claude Barbin, nunca mencionou os nomes dos autores das obras referidas, afirmando sempre que a primeira edição das Cartas portuguesas, traduzidas para francês, é da autoria de uma religiosa portuguesa, de nome Mariana (que só peca por ser anónima porque não tem nome de família… o resto bate certo); depois, na tal segunda parte, Barbin também explica que são sete cartas de uma senhora não religiosa (d`une dame du monde) e que não se devem confundir com as anteriores; por fim, edita em simultâneo com esta segunda parte, As Valentinas, Questões de amor e outras peças galantes, também sem autor, e poderíamos entender que a colectânea era precisamente de um só autor, mas não é, pois Roger de Rabutin[5] (1618-1693), conde de Bussy, um antigo comandante de Chamilly (o presumível apaixonado de Mariana Alcoforado) é o autor das Questões de amor, restando provavelmente as outras, Valentinas e peças galantes, para Guilleragues. Todavia, as incongruências de Reed não ficam por aqui. O autor tinha conhecimento do Registo do Privilégio Real feito por Barbin, em 17 de Novembro de 1668, dando como de Guilleragues Les Valentines lettres portugaises Epigrames e Madrigaux. Não vemos aqui as Questões de amor de Rabutin, mas vemos as lettres portugaises, com letras minúsculas a distinguirem-se dos outros títulos e não deve ter sido por acaso que o registo foi feito assim. Julgamos que as iniciais maiúsculas definem as obras de Guilleragues e as minúsculas a sua tradução.
Ora, Gervais Reed atribui a Guilleragues as obras que lhe interessam, salvaguardando as incompletas investigações de F.C.Green (o descobridor, em 1926, do documento de Registo mencionado) e de Deloffre e Rougeot (1962). Capitula no mesmo método que os anti-alcoforadistas (os que não são pró atribuição das Cartas portuguesas a autor português e escritas em português), o método do paradoxo, da impossibilidade. Se o Registo atribui as Lettres a Guilleragues por que razão Reed só lhe atribui a primeira edição e as suas reedições e não a segunda parte que também são Lettres Portugaises? E as Respostas às Cartas, serão de quem? Não deve haver dois pesos e duas medidas. Barbin serve-se do mesmo Registo[6] para editar todas as Cartas, considera-as anónimas. Se alguém utiliza o Registo como fonte fidedigna para chegar a determinada conclusão, só tem que ser coerente. Um autor francês, Alain Viala (1985, 119;125-128), na sua obra Naissance de l`ecrivain[…], denuncia a prática seiscentista de se registarem vários títulos, como se fossem uma colectânea literária, de obras de diversos autores no nome de um só, para facilitar a impressão das obras que pudessem ser mais problemáticas, e dá como exemplo as Lettres Portugaises. Mais palavras para quê?
Ficamos com um cantinho (REED, 1974, 12) do local fantástico onde Claude Barbin tinha, em Paris, a sua livraria ( a letra A é o local preciso onde se situava a livraria de Claude Barbin, fazendo esquina, sobre uma loggia, num piso superior e exterior à Sainte-Chapelle, para a qual [loja] se subia pela segunda escadaria coberta – na face lateral da igreja e que sabemos a contorna até á entrada principal – a que se chamava de seconde Perron, letra B) e a reprodução de uma das suas edições[7]com a morada comercial do editor. A gravura da Sainte-Chapelle foi executada por André Perelle no fim do século XVII – o documento parcialmente reproduzido pertence à B.N.F. Est. Ve 15/4º, f.15.

Publicado por Leonel borrela in Diário do Alentejo, em 28 de Setembro de 2007.



[1] REED, Gervais E. – Claude Barbin – Libraire de Paris sous le régne de Louis XIV. Genève- Paris: Libraire Droz, 1974. Vol. 5, colecção “Histoire et Civilisation du Livre”, pp.131.
[2] Nem referenciamos as obras de outros autores, igualmente importantes, nem às reedições da maioria das obras, realizadas de um ano para outro. Destacamos as obras que pelo seu conteúdo amoroso, além das de crítica, reflectem o caminho percorrido por Barbin na escolha das suas edições até às Lettres Portugaises. Embora nunca deixe este tema, as suas preocupações futuras atenderão cada vez mais as obras históricas, de viagens, ciência e moral religiosa. Barbin publicou mais de 600 obras de mais de duzentos autores. É obra!
[3] Subligny é o advogado a quem também tem sido atribuída a tradução das Cartas Portuguesas para o idioma francês. Era bastante crítico em relação à sociedade do seu tempo; ainda criticou o Andromaco de Racine, depois ficaram amigos.
[4] O destaque bold das palavras é nosso.
[5] Roger de Rabutin era primo de Mme de Sévigné, a autora das Cartas a sua filha e a outras personalidades da época, publicadas postumamente, nas quais faz referência às Portugaises, as cartas apaixonadas da religiosa. Esta Senhora, mais uma amiga de Guilleragues, bem lhe podia ter feito justiça dizendo que as famosas cartas eram dele. Porém, nada.
[6] Temos consciência de que já abordámos em parte esta questão no Diário do Alentejo. É só mais esta vez...
[7] SANTOS, José – “Descrição bibliográfica das edições das Cartas de Amor de Soror Mariana Alcoforado…”. Separata da Bibliografia Clássica Luso-Brasílica. Lisboa: Lusitana, 1918. p.9

1 comentário:

Anónimo disse...

Thanks :)
--
http://www.miriadafilms.ru/ приобрести кино
для сайта lettres-portugaises.blogspot.com

Lettres d`amour d`une religieuse portugaises ecrites au chevalier de C.oficier français en Portugal

Lettres d`amour d`une religieuse portugaises ecrites au chevalier de C.oficier français en Portugal
Pormenor da gravura de J Padebrugge 1696

Acerca de mim

A minha foto
Calandrónio é um nome que vem epigrafado numa lápide funerária visigótica exposta no Núcleo Visigótico do Museu Regional de Beja. Num texto comovente Calandrónio chora a perda da sua sobrinha Maura, de olhos muito belos e formosa de feições, que mal fizera quinze anos. Por ser um documento pacense extraordinário,do século VII, repleto de sensibilidade, adoptei-lhe a memória. Leonel Borrela