quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

MARIANA ALCOFORADO NASCEU HÁ 370 ANOS

Este texto ficou em rascunho e não saiu quando devia. Sai agora...


Mariana Alcoforado completou ontem, a 22 de Abril, mais um decénio do seu nascimento há 370 anos. Nunca é demais recordar uma realidade histórica que alguns investigadores menos formados e informados têm tentado escamotear, a propósito da autoria das célebres Lettres Portugaises, as Cartas Portuguesas traduzidas para francês, editadas em Paris, no dia 4 de Janeiro de 1669, pelo livreiro Claude Barbin. Embora seja assunto já conhecido de alguns dos nossos leitores queremos aproveitar este momento comemorativo para reforçar a importância que as Cartas tiveram e têm no contexto mundial, publicando no Diário do Alentejo um dos capítulos do nosso livro sobre Soror Mariana Alcoforado.

Fortuna crítica e Estado da Arte
Mais de quinhentas edições bibliográficas, em cerca de vinte e cinco idiomas diferentes, a nível mundial, justificam a singularidade epistolar destas cinco Cartas Portuguesas, cujas palavras desde há muito cativaram incondicionalmente os artistas plásticos - pintores, escultores, gravadores desenhadores e gráficos - além, naturalmente, dos de cinema e teatro, músicos e poetas, escritores e políticos, que lhes têm dedicado o melhor do seu tempo, do seu espaço e da sua memória. Afinal, a enclausurada Mariana Alcoforado; a janela das Portas de Mértola, em Beja; Noel Bouton, o marquês de Chamilly, oficial francês; a Dona Brites; a insegurança da guerra e o quarto em vez da cela conventual (no convento havia cerca de cinquenta e seis “moradias” particulares de freiras e, nele, rodopiavam cerca de duas centenas de religiosas, fora as criadas, e mais umas centenas de pessoas que no exterior prestavam serviço variado ao convento), tudo e todos existiram e é muito provável que tenham cruzado simultaneamente os seus caminhos.
Por curiosidade contámos, nas cinco Lettres Portugaises, uma só vez, as palavras claustro, irmão (dela), irmão e cunhada (dele), quarto, porteira, Manuel, Francisco, pátria (francesa), paz, país (Portugal), reino do Algarve e Mértola; duas vezes, convento e guerra; três vezes, Mariana e Dona Brites; quatro vezes, oficial francês e Portugal; dez vezes França. Amor, ódio, vingança, prazer, ciúme, partir, fugir, morrer, viver, injustiça, censura, coração, ferida, paixão, culpada, amasse, ama-me, habituei-o, família, ingrato, sinceridade, lágrimas, indecisões, pudor, adeus, cartas, mulheres, escrúpulos, razões, ternura, religiosas, violência, arrebatamentos, desafio-te, ai de mim, infeliz, são palavras escolhidas ao acaso que revelam a complexidade de estados de espírito e definem de algum modo a natureza emocional de Mariana.
Quando lemos as Cartas nada nelas nos parece ficcionado, muito menos por um homem, estranho a Portugal e, muito especialmente, à cidade de Beja. Guilleragues, o tradutor nunca contestado na sua época, a quem, agora, as querem atribuir, não possui sequer outras obras escritas que dentro do mesmo espírito, não literário , o possam legitimar como autor; são tantos os pormenores relativos a Beja, Portugal, Algarve, Mértola, portaria conventual, o poder da família, etc., naturalmente referenciados ao correr da pena pela presumível autora, Mariana Alcoforado, que praticamente não deixam dúvidas quanto à origem portuguesa das Cartas. Porém, a polémica continua e devem respeitar-se os seus pressupostos.
A fortuna crítica da Colecção Alcoforadina vê-se nas detalhadas cronologia, bibliografia e iconografia: de Madame de Sévigné a Rousseau; do duque Saint-Simon ao abade de Saint-Léger; de Boissonade a Luciano Cordeiro; do Morgado de Mateus a Manuel Ribeiro; de Júlio Dantas a Almada Negreiros; de Jaime Cortesão a Belard da Fonseca; de Humberto Delgado às Três Marias; de Katherine Vaz a Cristina Silva, etc.
O forte incremento da fortuna crítica revela abertamente o estado da arte: as edições das Lettres Portugaises estão imparáveis; continuam seduzindo uma plêiade heterogénea de investigadores e curiosos; subsiste a polémica em torno da sua autoria, cuja balança pende ultimamente para Gabriel Joseph de La Vergne, conde de Guilleragues. Algumas das bibliotecas estrangeiras – a do Congresso (EUA) e a Nacional de França – até a nossa, a Nacional de Lisboa, embora ainda com alguma indefinição, atribuem quase todas os exemplares das Lettres a Guilleragues. Igualmente, em instituições de ensino francesas, promovem-se jogos e concursos sobre as epístolas, enquanto por cá, oficialmente, vivemos indiferentes ao que, presumivelmente, de mais original se produziu em Portugal no século XVII e que tanta repercussão teve no estrangeiro, devido ao valioso contributo da língua francesa.
A celebridade das cartas e a polémica estendem-se a outros países e continentes e até já há quem faça trabalhos finais de licenciatura, teses de mestrado e de doutoramento por exemplo, no Brasil, Alemanha e Portugal.
No dia 10 de Junho de 2002, na cidade de Beja, por ocasião das comemorações oficiais do Dia de Camões e das Comunidades Portuguesas, em que foi homenageada Mariana como símbolo do seu desmesurado amor, recordou o senhor Presidente da Republica Portuguesa, Dr. Jorge Sampaio, o pensamento de Rainer Maria Rilke (1875-1926) acerca da sublime paixão de Mariana: Um amor grande de mais para um só ser.

- No Museu Regional de Beja continua em exposição uma mostra documental de cariz mais iconográfico comemorativa dos 550 anos da fundação do Real Mosteiro de Nossa Senhora da Conceição - onde viveu e morreu Mariana - pelos duques de Beja, infantes D. Fernando e Dª Beatriz, pais de Dª Leonor e de D. Manuel. Merece uma visita atenta.


BORRELA, Leonel - "Iconografia Pacense-Mariana Alcoforado nasceu há 370 anos" in Diário do Alentejo de 23 de Abril de 2010


Sem comentários:

Lettres d`amour d`une religieuse portugaises ecrites au chevalier de C.oficier français en Portugal

Lettres d`amour d`une religieuse portugaises ecrites au chevalier de C.oficier français en Portugal
Pormenor da gravura de J Padebrugge 1696

Acerca de mim

A minha foto
Calandrónio é um nome que vem epigrafado numa lápide funerária visigótica exposta no Núcleo Visigótico do Museu Regional de Beja. Num texto comovente Calandrónio chora a perda da sua sobrinha Maura, de olhos muito belos e formosa de feições, que mal fizera quinze anos. Por ser um documento pacense extraordinário,do século VII, repleto de sensibilidade, adoptei-lhe a memória. Leonel Borrela