A importância do
património cultural português e o relativo desconhecimento público do Museu
Regional de Beja
Há 35 anos que “habitamos”, como funcionário público, o Museu Regional de
Beja. Nove anos antes já o conhecíamos: o edifício, o espólio e os seus
funcionários. Não nos recordamos de cada dia passado na instituição
museológica, mas organizámos uma espécie de mensário dos acontecimentos que
mais nos marcaram ao longo de pouco mais de quarenta anos. Integram esta
memória dezenas e dezenas de conversas e observações, mais ou menos
interessantes, umas com questões bem pertinentes às quais parcialmente se deu
resposta adequada, outras, envolvendo, por um lado, emoções fortes e, ainda
outras, por outro lado, situações bastante divertidas, quer relacionadas com o
funcionamento interno do próprio museu – aspectos que não abordaremos neste
momento, por razões óbvias - quer com os
turistas nacionais e estrangeiros, cujas visitas nos merecem alguma
discriminação pelo seu significado especial. Destas, seleccionámos somente
quatro pelo seu cariz singular.
Certo dia, um casal brasileiro, professores de meia-idade, ficou
escandalizado com o que considerava uma lacuna grave na sala de recepção do
museu. “Faltava” um retrato do fundador de Portugal, D. Afonso Henriques!,
“muito mais importante para Beja do que os dois retratos dos seus primeiros
duques”, dizia o senhor, ambos desconhecendo que os infantes D. Fernando e Dª
Beatriz, tinham sido os fundadores do convento da Conceição (1459), onde,
afinal, o museu se encontra hospedado desde 1927. Após tudo ser muito bem
explicadinho, lá saíram satisfeitos com o museu e com a cidade, embora D.
Afonso Henriques não lhes saísse da cabeça. Precisavam mesmo de ir a Guimarães!
Ainda os avisei de que lá, só a estátua…
Noutro dia, um senhor português, engenheiro, mostrou-se muito preocupado
com a “barriga” algo proeminente, aspecto que ainda apresenta, da parede da
frontaria da igreja da Conceição, a que fica virada para o Largo dos Duques:
“Cuidado! Aquilo um dia atinge o ponto de ruptura e vem tudo por aí abaixo.”
Descansámo-lo e levámo-lo a ver, no cimo do exterior da capela-mor, uma
escultura de mulher, em trabalho de parto, desde há quinhentos anos - e o bebé
sem sair e o ventre sem ceder… e ele, de tão preocupado, a rir, a ver, a rir
até mais não puder! – Como vêem também há quem se divirta, uns com as
preocupações dos outros e estes com as respostas daqueles. Nunca mais nos falou
em fissuras, mas, um dia destes, andava raladíssimo com a Torre de Menagem do
castelo de Beja e aconselhei-o, mais uma vez, a ir ver a barriguinha que não
cede, no convento da Conceição. Gargalhadas!
Há um recanto, no fim do segundo piso do museu, onde se reintegrou há
algumas dezenas de anos a célebre janela de soror Mariana Alcoforado
(1640-1723), uma das freiras do convento que ficou famosa pelas cinco cartas de
amor que escreveu a um nobre francês, o marquês de Chamilly. Se para alguns
visitantes lhes basta olhar e espreitar pela janela, praticamente sem lhe
tocarem, para outros, isolados ou em grupo, como os japoneses, não é bem assim,
conforme vimos várias vezes. Para este povo do sol nascente, é essencial tocar nas grossas
grades de ferro, se possível, em silêncio, meditar um pouco e sentir igualmente
o frémito de emoção que trespassou o coração de Mariana quando, à janela, viu
pela primeira vez passar às Portas de Mértola, em Beja, o garboso cavaleiro
francês. Tocar na grade, será o mesmo que sentir mais próximo de si, até dentro
de si, o que ia na alma da desditosa freira bejense, quando escreveu aquelas
cartas tão desmesuradamente apaixonadas e, o povo japonês, conhece bem, através
da sua própria História, a procura incessante do amor comovente, desencontrado e
louco, entre Hisamatsu e Osome.
Houve visitas guiadas e tocantes, como a de um pequeno grupo de
visitantes portugueses, vindos do Porto, a quem explicámos da melhor maneira
possível a diferença entre a colecção de pintura primitiva portuguesa dos
séculos XV e XVI – mais colorida, mais mística, associada às escolas da
Flandres e de Itália, ao sucesso das descobertas marítimas e a uma corte de
gente culta, entre outros aspectos - e a
espanhola, do século XVII – reflexo da perda da independência de Portugal face
a Espanha, do absolutismo monárquico, da Inquisição, do Índex, da arte tenebrista
e naturalista, de feição barroca, como a de Ribera, de forte intensidade
dramática, etc. Pretendíamos valorizar, por outras palavras menos ouvidas, uma
parte da pinacoteca do museu e, sinceramente, ainda hoje ignoramos a
profundidade do que tentámos transmitir. Ficou-nos, a nós e aos visitantes, um
estranho carpido nas gargantas e nada mais houve a dizer senão olharmos uns
para os outros e silenciarmos uma situação invulgar. A empatia emocional de um
grupo inteiro por uma frase, por um quadro ou por uma sala onde pudemos sentir,
de um lado, a alegria e a esperança, e, do outro, a tristeza e o desespero.
Leonel Borrela
Nota: Este texto foi especialmente escrito para os meus amigos do
facebook e vamos colocá-lo previamente no nosso blogue sobre Mariana Alcoforado
http://lettres-portugaises.blogspot.com
.
Esperamos que todos entendam o verdadeiro significado do título. Haverá
sempre outras oportunidades para abordarmos estes e outros assuntos. O Museu Regional
e a História da cidade de Beja afinal são parte indispensável da nossa vida.
O postal que anexamos é de 1960 e mostra uma das galerias – a quadra do
Rosário – do claustro do extinto convento de Nª Sra. da Conceição onde funciona
o Museu Regional de Beja. Elaborámos os carimbos dos CTT para a Comemoração, em
2009, dos 550 anos da fundação do convento.
4 comentários:
Agradeço a todos os que até agora "gostaram" (assim , entre aspas, porque se trata do "Gosto" do facebook que muitas vezes não corresponde bem ao "nosso Gosto" quando clicamos e que, só por falta de tempo ou de alguma preguiça é que não escrevemos umas palavrinhas, tantas vezes necessárias à troca de impressões, de experiências e da valorização do que se pode fazer de útil e interessante no facebook). Digo isto porque fui confrontado hoje, pessoalmente, com o "absurdo" do meu texto, incompreensão que não percebo dado que o julgo bem claro. O Museu Regional de Beja, além de estar instalado num edifício conventual de grande qualidade arquitectónica do período medieval que, só por si, já é um verdadeiro museu, devido aos mármores cinzelados, azulejaria, talha dourada e pintura que o integram, incorpora ainda no seu vasto espólio museográfico colecções temáticas de grande valor local, nacional e internacional. Todavia, só tem esta importância se tiver gente, dentro e fora dele, que se preocupe, no presente, com o seu passado e o seu futuro - o resto são tretas! - Se me posiciono como funcionário com alguma antiguidade, não é por esta ser considerada "um posto", mas sim para revelar experiência, conhecimento e autenticidade, para, em suma, incutir confiança na memória parcial, afecta ao meu trabalho no museu e que pretendo divulgar. Nada mais.
Belos tempos de Universidade, amigo Leonal. Já vão 7 a 8 anos que nos conhecemos em Évora
Sou o francisco de évora
http://marcoroto.tumblr.com/
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